
Jogadores de Cabo Verde comemorando a classificação para a Copa do Mundo de 2026
Mais uma seleção confirmou uma classificação inédita para a Copa do Mundo de 2026, que será realizada nos Estados Unidos, Canadá e México. Na segunda-feira (13), Cabo Verde venceu Essuatíni por 3 a 0 e ficou na primeira colocação do grupo D das Eliminatórias Africanas para o torneio da Fifa.
Cabo Verde será o menor território e a segunda menor população a participar de uma Copa do Mundo. Os influenciadores Felipe Neto e Daniel Braune estiveram nas arquibancadas do Estádio Nacional, na capital cabo-verdiana Praia, para acompanhar a classificação. A cultura brasileira é bastante consumida no país lusófono.
Neste texto, o Nexo apresenta o país e a seleção de Cabo Verde, mostra como foi a comoção popular com a classificação inédita para a Copa do Mundo e explica a relação com o Brasil.
Cabo Verde é um arquipélago formado por 10 ilhas no Oceano Atlântico. A área de seu território é de cerca de 4.033 km², com uma população de mais de 524 mil habitantes.
O povoamento português começou em 1462, dois anos após o arquipélago ser encontrado pelos europeus. Depois, Cabo Verde serviu de ponto de armazenamento e reabastecimento nas rotas comerciais entre Portugal, Brasil e outros países da África. O tráfico de pessoas escravizadas também acontecia na região.

A independência de Cabo Verde aconteceu em 5 de julho de 1975, após quase duas décadas de luta armada do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, grupo fundado por Amílcar Cabral, e o fim da ditadura de António Salazar em Portugal. As primeiras eleições multipartidárias no país aconteceram em 1991.
De acordo com o jornalista Marcus Carvalho, comentarista da CazéTV e integrante do Ponta de Lança, portal referência na cobertura esportiva sobre África no Brasil, Cabo Verde é um país muito promissor. “É uma nação que avança muito, tem uma política estável e uma democracia muito bem consolidada, tem um dos melhores IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do continente africano e uma expectativa de vida semelhante à do Brasil”, afirmou ao Nexo.
A miscigenação é uma das principais características da sociedade local, principalmente entre portugueses e africanos. Apesar do português ser o idioma oficial, o crioulo cabo-verdiano é a língua materna e do cotidiano no arquipélago. A influência da cultura europeia em Cabo Verde fez com que muitos habitantes do arquipélago não se sintam pertencentes à África.
A tese de doutorado de Vinícius Venancio de Sousa, doutor em Antropologia Social pela UNB (Universidade Federal de Brasília), mostrou que há uma recorrência de violências raciais contra imigrantes oeste-africanos pela hierarquização e distribuição de recursos no país. O artigo sobre o tema foi publicado na seção Acadêmico do Nexo, em 25 de setembro.
A história de Cabo Verde em esportes em geral é bastante recente. O país conquistou a primeira medalha em Jogos Olímpicos na edição de Paris 2024, com o bronze de David Pina na categoria masculina de boxe até 51kg.
A Federação Cabo-Verdiana de Futebol foi fundada em 1982, para desenvolver a modalidade. O campeonato nacional é organizado entre os campeões de nove das 10 ilhas do arquipélago. “Em termos de liga local, Cabo Verde ainda é muito pobre. Não tem campo de grama natural, por exemplo”, afirmou Carvalho.
A participação relevante de Cabo Verde em competições continentais só aconteceu em 2013, com a estreia na Copa Africana de Nações. O país participou do torneio em outras três edições, alcançando as quartas de final em 2023.
Carvalho disse que a classificação para a Copa do Mundo de 2026 envolveu um projeto da Federação Cabo-Verdiana de Futebol de trazer descendentes da diáspora africana, movimento comum às seleções do continente.
“A África perdeu muitos talentos ao longo dos anos. Os países são muito jovens e foram prejudicados pela colonização, por guerras civis e pelos processos de independência, em que a maioria não foi fácil. Muitas vezes, os jogadores optam pelos países em que nasceram na Europa. Mas o continente africano começou a buscar ativamente esses filhos da diáspora, e o projeto de Cabo Verde passa por isso”
Marcus Carvalho
comentarista da CazéTV e integrante do Ponta de Lança
Dos 25 jogadores convocados para as rodadas finais das Eliminatórias Africanas, 13 não nasceram em Cabo Verde. São seis da Holanda, quatro de Portugal, dois da França e um da Irlanda. Um dos pilares da seleção é o zagueiro irlandês Roberto “Pico” Lopes, que recebeu o contato do ex-treinador da seleção Rui Águas pelo LinkedIn, em 2018.
Segundo Carvalho, o entrosamento dado pelo técnico Pedro Leitão Brito, mais conhecido como Bubista, é o diferencial da seleção: “Não tem um grande craque. Destacam-se o Dailon Livramento, que é decisivo, e o goleiro Vozinha, pela experiência. Mas na minha visão, o principal aspecto de Cabo Verde é a qualidade coletiva”.
Os Tubarões Azuis, como a seleção de Cabo Verde é apelidada, chegaram para a última rodada das Eliminatórias Africanas precisando apenas de um empate para se classificar. Com cinco vitórias em nove jogos, os cabo-verdianos estavam na primeira colocação do grupo D, à frente de seleções africanas tradicionais, como Camarões e Angola.
Os três gols da partida contra Essuatíni só foram marcados no segundo tempo, com Dailon Livramento, Willy Semedo e Ianique dos Santos. A Federação Cabo-Verdiana fez um apelo para que os torcedores não invadissem o gramado do Estádio Nacional com a classificação, temendo uma possível punição da Fifa. Na partida contra Camarões, em setembro, a invasão da torcida gerou multa de cinco mil francos suíços (cerca de R$ 34,30 mil).
Apesar do Estádio Nacional não estar totalmente cheio – com capacidade para cerca de 15 mil pessoas –, os jogadores e a comissão técnica de Cabo Verde comemoraram a classificação com os torcedores presentes. Telões também foram distribuídos ao redor das ilhas, com o governo decretando ponto facultativo.
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Além do aspecto esportivo, Carvalho afirmou que a classificação irá aumentar o interesse mundial no arquipélago africano. “É um país que pouca gente dá atenção, por serem ilhas pequenas, uma população pequena, mas que tem uma cultura muito rica, com suas danças, com a sua cultura musical, com o seu idioma crioulo. As pessoas vão olhar e pesquisar mais sobre Cabo Verde”.
Cabo Verde é a quarta seleção lusófona a se classificar para uma Copa do Mundo: o Brasil participou de todas as 22 edições anteriores; Portugal esteve oito vezes; e Angola esteve em uma, em 2006. Para a Copa de 2026, os Tubarões Azuis se juntam a Jordânia e Uzbequistão como estreantes no torneio da Fifa.
Classificados para a Copa de 2026
Dados mais recentes
O futebol brasileiro tem bastante influência em Cabo Verde. Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Figueirense e Pelotas serviram de inspiração para clubes homônimos no arquipélago africano.
Além do futebol, Carvalho disse que o consumo de cultura brasileira não só em Cabo Verde, como nos países da África lusófona como um todo, é alto. “Principalmente no Facebook, que é muito forte no continente africano, e de um público que fica feliz quando se vê numa cultura que eles têm como referência”, afirmou o jornalista da CazéTV.
Os influenciadores brasileiros Felipe Neto e Daniel Braune foram para o arquipélago acompanhar a classificação no local. No domingo (12), ambos foram recebidos com festa no Aeroporto Internacional Nelson Mandela, em Praia. Além disso, a CazéTV exibiu a partida entre Cabo Verde e Essuatíni para o Brasil, transmissão que soma quase 400 mil visualizações até a tarde de terça-feira (14).
Os brasileiros afirmaram que a relação com os seguidores cabo-verdianos fizeram eles irem ao arquipélago. Em publicação no Instagram na terça-feira (14), Braune afirmou que a cobertura dos países lusófonos na Copa Africana de Nações de 2023 foi o que atraiu o público de Cabo Verde.
“Fazer essa cobertura in loco para fortificar esse laço e florescer essas histórias. É a tela que faz elas acontecerem, essa tela mágica que me proporcionou tantas coisas. Mas, às vezes, essa telinha aqui fica muito pequena pra contar as coisas. E a gente tem que ir direto na fonte”
Daniel Braune
influenciador brasileiro de futebol, em publicação no Instagram.
Carvalho vê essa relação dos cabo-verdianos com os brasileiros como um reflexo da forma com que esses influenciadores tratam a África. “Eles criaram essa conexão por terem uma visão adequada do continente, e não aquela visão que por muito tempo imperou na mídia, de subalterno, inferior, de fome. Não, é um continente que tem muito a oferecer, um continente com conexões profundas com a nossa história”, disse.