Como o Congresso tratorou o governo no PL do Licenciamento

O deputado Zé Vitor e a senadora Tereza Cristina durante análise da MP da LAE

O deputado Zé Vitor e a senadora Tereza Cristina durante análise da MP da LAE

O Senado aprovou na quarta-feira (3), em votação relâmpago, uma medida provisória do governo que trata da chamada Licença Ambiental Especial. Embora o tema tenha sido encampado pelo Planalto após os vetos de Lula ao PL do Licenciamento, os parlamentares alteraram o texto para resgatar parte dos pontos vetados.

90

segundos correram entre a abertura da sessão no Senado e a aprovação da medida provisória nº 1.308, de 2025

A derrota do Planalto com a medida provisória se soma às expectativas frustradas do governo com a derrubada de quase todos os vetos sobre o PL do Licenciamento em novembro. Para entidades e especialistas, o cenário inflamado pelas instabilidades com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), é preocupante para a agenda ambiental.

Neste texto, o Nexo mostra como o governo foi derrotado durante as negociações de projetos relacionados ao licenciamento ambiental e qual a avaliação de pesquisadores sobre os resultados.

Como o governo tentou negociar o tema

Lula sancionou a nova Lei de Licenciamento Ambiental em agosto. O texto chegou ao Executivo federal com quase 400 dispositivos e pressões da sociedade civil para vetar a redação, capturada por ruralistas e nomes da direita – como Kim Kataguiri, deputado ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre) – ao longo de 21 anos de tramitação. 

63

vetos foram apresentados por Lula durante a sanção do PL do Licenciamento Ambiental

Um dos vetos do presidente derrubou a ampliação da chamada LAC (Licença por Adesão e Compromisso) para atividades consideradas de médio potencial poluidor – como é considerada, por exemplo, a barragem da Vale em Brumadinho (MG). O objetivo da medida era viabilizar obras com uma espécie de licença por autodeclaração, que não precisa da aprovação de órgãos técnicos, como o Ibama. 

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Lula também rejeitou o trecho que atribuía a estados e municípios a competência para decidir sobre atividades que deveriam ou não ter licenciamento. A razão foi evitar uma “competição antiambiental entre entes federativos”, em que as regras afrouxadas se tornariam moeda de troca para atrair investimentos, como explicou na época o secretário Marcos Rogério, da Casa Civil.

Outro veto barrou o artigo que desconsiderava, durante os procedimentos de licenciamento, a participação de grupos indígenas e comunidades tradicionais que não tivessem a demarcação de seus territórios finalizada. Entidades e ambientalistas haviam criticado o trecho por contrariar proteções previstas pela Constituição Federal.

Além dos vetos, o presidente encaminhou aos parlamentares:

A LAE de Alcolumbre visava a acelerar processos de licenciamento considerados estratégicos, simplificando sua liberação em apenas uma fase no prazo de 12 meses – originalmente, o licenciamento ambiental no Brasil tem três fases. O interesse do parlamentar com o dispositivo era viabilizar a exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas, no Amapá, estado pelo qual foi eleito.

Davi Alcolumbre, presidente do Senado

Davi Alcolumbre, presidente do Senado

Embora tenha vetado a LAE no PL do Licenciamento, o governo a considerou uma inovação importante – especialmente para empreendimentos estratégicos de Lula às vésperas da eleição de 2026, como as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e projetos envolvendo a exploração de minerais críticos. Com isso, na medida provisória, o governo retirou o caráter monofásico da redação e incumbiu ao Conselho de Governo – composto por ministros, sob comando da Presidência – a decisão sobre quais obras estão sujeitas, ou não, à LAE. 

A decisão de aproveitar a LAE como medida provisória foi ainda considerada uma forma de apaziguar a relação com o Congresso e garantir apoio de Alcolumbre à manutenção dos outros vetos no retorno do texto aos parlamentares – que têm a prerrogativa de desfazer um veto total ou parcial do Executivo a uma lei. 

Mas, mais tarde, a decisão de Lula de indicar Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal inflamou as instabilidades entre o Executivo e o presidente do Senado – que defendia o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a vaga deixada por Luís Roberto Barroso. Em meio ao mal-estar, o Congresso derrubou no fim de novembro mais de 50 dos 63 vetos de Lula no PL do Licenciamento. 

52

foi a quantidade de vetos no PL do Licenciamento que o Congresso derrubou em 27 de novembro

Na terça-feira (2), deputados aprovaram a conversão da medida provisória da LAE em lei, sob críticas de parlamentares da base do governo sobre mudanças no texto. A redação teve relatoria do deputado Zé Vitor (PL-MG), que retomou pontos vetados por Lula no PL do Licenciamento. Apesar dos protestos, o governo orientou a base a aprovar o projeto, que seguiu para o Senado no dia seguinte.

“Se essa medida provisória não for aprovada, nós vamos ter um brutal retrocesso. Quem trabalhou nela na Comissão Especial conseguiu avanços”

Lindbergh Farias

líder do PT na Câmara dos Deputados durante a votação da medida provisória da LAE na Casa, na terça-feira (2)

Como ficou o novo licenciamento 

Com a derrubada dos vetos, o PL do Licenciamento Ambiental se converteu na lei nº 15.190/2025, que entra em vigor no início de 2026. No retorno ao Congresso, os parlamentares resgataram trechos que flexibilizam processos a depender do tipo de obra em análise. 

O LAC, modalidade autodeclaratória para empreendimentos de pequeno ou médio porte e de baixo ou médio potencial poluidor, foi um dos pontos retomados pelo Congresso. Outra regra que voltou a valer é a que desconsidera a participação de comunidades tradicionais no procedimento de licenciamento.

Os parlamentares também retomaram o trecho que atribui a estados e municípios a competência para decidir sobre atividades que devem ou não ter licenciamento. “Cada estado vai querer abrir mais empreendimentos de forma mais rápida. Ao mesmo tempo, em razão dos altos impactos, isso vai ampliar o número de judicialização de obras e atividades”, avaliou Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental, ao Nexo em julho.

A dispensa de licenciamento para atividades rurais em áreas com CAR (Cadastro Ambiental Rural) ainda sob análise também foi resgatada. O CAR é um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais no Brasil. Com a nova lei, atividades em propriedades que tenham questões ainda não identificadas, como desmatamento ilegal, podem ser liberadas de licença.

Outro veto derrubado relaciona-se às unidades de conservação. A redação final da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental limita o poder de polícia de órgãos públicos em áreas protegidas, diminuindo atribuições de fiscalização e controle sobre processos de licenciamento.

Antes da análise dos vetos, parlamentares já haviam tentado revertê-los usando emendas à medida provisória apresentada pelo Planalto em agosto. Foram 833 aditivos sugeridos – mas, na votação de terça (2), Zé Vitor rejeitou a maioria, já que os textos haviam perdido sentido após a derrubada dos vetos em novembro.

O deputado Zé Vitor durante votação da Medida Provisória

O deputado Zé Vitor durante votação da Medida Provisória

Ainda assim, parlamentares da base criticaram as mudanças na medida provisória que cria a LAE. Apesar de proposta pelo governo, a MP teve pontos capturados por ruralistas e alterados para contemplar propostas antes rejeitadas pelo governo. As críticas, no entanto, não bastaram para o texto final ser aprovado pelo Senado na quarta-feira (3) em votação relâmpago.

Além de instituir uma licença ambiental mais simples e rápida para empreendimentos sob aval do Conselho de Governo, a redação final da medida provisória inclui no rol de empreendimentos sujeitos à LAE obras de reconstrução e pavimentação de rodovias preexistentes com trechos considerados estratégicos. O trecho teria como pano de fundo esforços para viabilizar a BR-319, cuja licença prévia está em discussão na Justiça.

A redação prevê ainda que a aprovação do empreendimento analisado sob a LAE deve acontecer no prazo de até 12 meses após a apresentação do estudo e do relatório de impacto ambiental. Especialistas consideram esse tempo curto e inviável para avaliação de grandes obras. Outra crítica é a possibilidade de o poder público reaproveitar estudos ambientais anteriores, ponto resgatado dos vetos de Lula.

O texto aprovado também fala na LAC, tornando-a mais ampla – ou seja, abarcando mais tipos de empreendimentos de médio porte sujeitos à autodeclaração.

O cenário sob avaliação

O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, afirmou ao Nexo que a dificuldade do governo em articular temas da pauta ambiental no Congresso é “gravíssima”. Para ele, há um duplo ganho na posição de ruralistas no Congresso. “Desfazer o regramento ambiental já é algo para eles. Derrotar o governo é outro ganho”, afirmou.

A orientação da base do governo para apoiar a aprovação da medida provisória – mesmo com a retomada de pontos rejeitados por Lula – foi avaliada como uma alternativa para evitar um cenário mais desfavorável ao governo na política ambiental, como mostrou apuração do jornal O Globo na quinta-feira (4).

Os governistas consideram que a rejeição da nova redação da medida traria mais inseguranças sobre o tema. Um conjunto mínimo de obrigações, como o crivo do Conselho de Governo e as restrições para conceder a LAC a determinadas situações, foram levadas em consideração nos cálculos para a votação.

Plenário do Senado Federal

Plenário do Senado Federal

Para a cientista política Cristiana Losekann, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e coordenadora do Lapaj (Laboratório de Pesquisas em Políticas Ambientais e Justiça), não há “grande espanto” sobre a relação conturbada entre o governo e o Congresso em relação à pauta ambiental.

“Dentro do próprio governo, a pauta ambiental é um ponto de fragilidade. Há um lado muito pró-desenvolvimento, pró-grandes empreendedores, e existe uma pressão para que estes setores avancem. Então esse cenário não surpreende ninguém”, disse ao Nexo.

Na avaliação da professora, apesar do “estresse institucional”, há a expectativa de reversão de partes dos textos aprovados na Justiça. “Vai tensionar [a relação entre Executivo e Legislativo] mais ainda, vai carregar esse conflito para a arena judicial, e tudo isso em torno de questões que já são plenamente conhecidas na Constituição”, acrescentou.

O próprio governo já havia aventado a ideia de acionar o Supremo Tribunal Federal após a derrubada dos vetos do PL do Licenciamento em novembro, seja por iniciativa própria ou de diferentes partidos políticos. Mas, mesmo após a redação final da MP da LAE, o Planalto não voltou a falar na ideia. 

“O discurso que vem sendo feito de modernização [do licenciamento], na verdade, é para disfarçar todos os retrocessos. São verdadeiras regressões. O Ibama, o ICMBio, todos os órgãos ficarão agora de mãos atadas. E, para que a população não fique desamparada, estamos considerando fortemente a judicialização”

Marina Silva

ministra do Meio Ambiente, a jornalistas no fim de novembro. 

Tanto Losekann quanto Astrini acreditam que o tema deve respingar nas eleições de 2026, seja como cobrança de setores progressistas ou como palanque político para a oposição. 

“Vemos de forma explícita, muito clara, quais são as posições dos parlamentares em relação a esse tema, em um contexto em que a sociedade vem discutindo como nunca as questões ambientais e climáticas. Pode ser que o parlamento acabe provando de seu próprio veneno”, disse a cientista política.