O conflito parou. Falta resolver a questão palestina

Donald Trump merece os parabéns. De um jeito ou de outro – seja como for – ele costurou um cessar-fogo na Faixa de Gaza que, de nenhuma outra maneira, estava saindo. E mais: não fez isso estacionando um porta-aviões no Mar Mediterrâneo, mas abrindo uma negociação multilateral, com a participação de países árabes, de Israel e de potências europeias, alcançando com isso uma pluralidade e uma efetividade que nem mesmo a ONU, criada para esse fim, estava conseguindo alcançar.

Numa só tacada, o presidente americano promoveu o retorno de 20 sequestrados israelenses e de 2.000 prisioneiros palestinos, suspendendo as hostilidades e salvando centenas ou milhares de vidas de pessoas inocentes. Para quem está numa guerra e não sabe se acordará vivo no dia seguinte, tudo isso é motivo de celebração. Negar reconhecimento à articulação política feita pelos EUA seria mesquinharia.

Enquanto os EUA não usarem seu poder para forçar Israel a aceitar uma solução de dois Estados, o conflito na região seguirá

O problema é que, por mais difícil que tenha sido alcançar esse resultado agora, ele é, ainda assim, apenas uma fração de uma situação maior e muito mais complexa: a solução de dois Estados. Desde 1948, espera-se pela criação de um Estado palestino soberano, com fronteiras definidas e reconhecidas internacionalmente, da mesma forma que foi feito com o Estado de Israel.

Trump sequer triscou nesse assunto. Pelo contrário, quando seus aliados europeus começaram a fazer declarações unilaterais de reconhecimento do Estado palestino, ele manifestou desaprovação. Mais do que isso, já disse que a Faixa de Gaza deveria ser transformada num resort de luxo e os moradores locais, deportados para países vizinhos. Quem pensa assim não pode estar a favor da solução de dois Estados, a menos que mude de ideia.

Se o dia de hoje é de alívio e de celebração pelo cessar-fogo, o de amanhã é de desconfiança e o de depois de amanhã, de puro descrédito. O mais provável é que Israel, com apoio explícito ou implícito dos EUA, aplique contra seus inimigos do Hamas a mesma estratégia de assassinatos seletivos e paulatinos que já vem aplicando contra membros do libanês Hezbollah e da Guarda Revolucionária do Irã. O fim do conflito não significa, portanto, o fim das escaramuças e das mortes, que se alimentam de uma espiral antiga de ressentimento e vingança.

Enquanto os EUA não usarem seu poder para forçar Israel a aceitar uma solução de dois Estados, o conflito na região seguirá nessa lógica de cessar-fogo e de retomada das hostilidades em seguida, em intervalos mais ou menos regulares. Na lógica atual, o alívio e a celebração por uma trégua são legítimos, mas nunca serão mais que o prenúncio da próxima rodada de violência.