A tarefa impossível de julgar criminosos de guerra em Israel

Em julho de 2024, a procuradora-geral militar de Israel, Yifat Tomer-Yerushalmi, mandou prender cinco soldados israelenses acusados de violentar sexualmente um prisioneiro palestino na cadeia de Sde Teiman. No domingo (2), ela mesma acabou presa por ter vazado para a imprensa imagens do circuito interno do presídio, que mostravam como tudo ocorreu. 

Na versão da procuradora, as imagens mostram a cena de abuso. Na dos envolvidos, não mostram nada demais. No vídeo, os soldados israelenses levam o prisioneiro palestino para um canto apartado. Em seguida, usam seus escudos para formar uma espécie de biombo em torno dele, ocultando da vista o que fazem com a vítima, que, no fim, é carregada, cambaleando. Exames médicos posteriores concluíram que o palestino teve o reto perfurado pela introdução de um objeto. Os laudos também apontam costelas quebradas e outros ferimentos. 

A prisão da procuradora israelense que investigava militares acusados de violentar sexualmente um prisioneiro palestino revela algo perturbador

As imagens, sozinhas, são inconclusivas. No contexto, sugerem algo mais.

Ao repassar o vídeo ao Canal 12 de Israel, a procuradora esperava provar à opinião pública que estava certa desde o início, e que a ordem de prisão emitida por ela em 2024 contra os militares envolvidos nesse escândalo era justificada. Só que o vazamento de evidências colhidas ao longo do processo é ilegal, e, por isso, a detenção de Tomer-Yerushalmi se justifica. A reviravolta extraordinária no caso revela, no entanto, algo mais profundo e perturbador que a mera violação de uma formalidade processual.

O caso mostra como é difícil que um país em guerra julgue seus próprios militares em casos importantes, de grande repercussão. Quando Tomer-Yerushalmi mandou prender os envolvidos, em 2024, enfrentou resistência dos próprios militares, que se rebelaram. Além disso, parlamentares de extrema direita, ligados ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, uniram-se a familiares dos acusados para se interpor entre eles e a Polícia do Exército, que tentava leva-los à força.

Na visão de parte da opinião pública, Tomer-Yerushalmi é uma traidora antipatriota, que tentou levar à prisão jovens inocentes, que estavam se expondo e se sacrificando para proteger a nação. Esse sentimento não é exclusivo de Israel – ele sempre está presente quando a Justiça nacional se volta contra os seus, especialmente em casos de uso da força, quando soldados agem revestidos de uma aura patriótica. 

Isso é verdade em Israel e é verdade no Rio de Janeiro, onde parte da população acredita que a polícia deve ser galvanizada por poderes, autorizações e blindagens legais para matar.

Se bem é certo que Tomer-Yerushalmi cometeu uma ilegalidade, e isso influencia o curso do processo, por outro lado, não há dúvida de que a defesa dos acusados, assim como boa parte da sociedade israelense, usarão esse fato para tentar anular o caso inteiro. 

Prova disso é que o prisioneiro que sofreu o abuso já foi devolvido à Faixa de Gaza, na troca por reféns israelenses prevista no acordo de cessar-fogo. Essa foi uma decisão política que torna praticamente impossível que ele seja localizado e que volte a prestar qualquer depoimento que possa incriminar seus algozes.

 

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