
Filipe Martins e Steve Bannon num enconro nos EUA
Os senadores bolsonaristas Marcos Rogério (PL-RO) e Damares Alves (Republicanos-DF) criticaram na segunda-feira (13), em discurso na tribuna do Senado, a prisão de Filipe Martins, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apontado como operador jurídico da minuta do golpe. Ele ficou detido por seis meses em 2024, e hoje está usando tornozeleira eletrônica.
O assunto voltou à tona após a CBP, agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, emitir na sexta-feira (10) um comunicado dizendo que Martins não entrou no país em 30 de dezembro de 2022 com a comitiva de Bolsonaro.
Essa viagem foi o motivo apontado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes para pedir a prisão preventiva do bolsonarista, alegando risco de fuga. Réu por tentativa de golpe de Estado, Martins integra o núcleo 2 da denúncia, cujo julgamento está previsto para ocorrer entre 9 e 17 de dezembro.
Neste texto, o Nexo explica quem é Martins e qual foi a sua participação no golpe, segundo a PGR. Também fala sobre a prisão do ex-assessor de Bolsonaro e mostra o argumento da defesa.
Filipe Martins, de 37 anos, foi assessor especial de Bolsonaro para assuntos internacionais durante todo o governo Jair Bolsonaro. Ele foi nomeado para o cargo após trabalhar durante a transição com o então ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. Martins e Araújo eram alunos do escritor e influenciador bolsonarista Olavo de Carvalho, morto em 2022.
Martins também foi um dos articuladores da aproximação da família Bolsonaro com Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump.

Gesto de Filipe Martins durante reunião no Senado em março de 2021
Em 2024, Martins foi condenado por racismo pela Justiça Federal do Distrito Federal a 850 horas de prestação de serviços, R$ 22 mil em multas e R$ 30 mil em indenização por danos morais coletivos. O episódio remete ao gesto alusivo à supremacia branca, conhecido como WP (White Power), feito pelo ex-assessor durante sessão no Senado em 2021.
Martins é réu no Supremo Tribunal Federal sob acusação de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
Em sua denúncia, a Procuradoria-Geral da República aponta que Martins participou da reunião em 7 de dezembro de 2022, no Palácio da Alvorada, quando Bolsonaro apresentou a minuta de decreto com medidas de exceção ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e aos comandantes das Forças Armadas.
Esse documento, segundo a Polícia Federal, daria “sustentação jurídica para a adoção de medidas mais gravosas, como a prisão de autoridades públicas e a anulação das eleições, com o consequente impedimento de o governo eleito assumir as suas competências”.
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Segundo a PGR, o depoimento do ex-comandante do Exército Freire Gomes e a delação do ex-ajudante de ordem Mauro Cid corroboraram que foi Martins quem leu o decreto durante a reunião, buscando dar um “fundamento técnico”.
A denúncia cita que o ex-assessor participou de ao menos três reuniões para tratar do decreto no final do governo Bolsonaro, entre novembro e dezembro de 2022. Cid disse ainda que Martins apresentou a minuta ao ex-presidente Bolsonaro em novembro de 2022.
Além disso, o documento apreendido pela Polícia Federal dizia que Martins ocuparia a assessoria de relações institucionais do governo provisório de exceção.
Na petição em que pediu a prisão preventiva de Martins, Moraes disse que a localização dele era “incerta” visto que o seu nome constava na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial em 30 de dezembro de 2022 para Orlando, na Flórida, mas não havia registro de saída do ex-assessor no controle migratório.
Martins foi preso preventivamente em 8 de fevereiro de 2024 no âmbito da operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal para investigar uma organização criminosa que tramou um golpe para manter Bolsonaro no poder. Ele foi detido no apartamento da namorada em Ponta Grossa, no Paraná.
Seis meses depois, em 9 de agosto de 2024, Moraes revogou a prisão do ex-assessor a pedido da PGR, que apontou inexistência de motivos para a manutenção da prisão. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, teve acesso aos dados de geolocalização dos celulares de Martins e, segundo ele, indicam que ele permaneceu em território nacional.
O ministro do STF aplicou medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e aos finais de semana, proibição de acessar as redes sociais e o impedimento de se ausentar da comarca. Martins também teve o passaporte cancelado e tem sido impedido de dar entrevistas por determinação de Moraes.
Em nota, a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA afirmou que Martins não entrou no país em 30 de dezembro de 2022. A agência disse ainda que Moraes citou um “registro falso” para justificar a prisão.
“Essa constatação contradiz diretamente as alegações feitas pelo ministro da Suprema Corte do Brasil, Alexandre de Moraes, um indivíduo que foi recentemente sancionado pelos EUA por suas violações de direitos humanos contra o povo brasileiro”, disse.
No entanto, a agência admitiu haver um “registro impreciso nos sistemas oficiais do CBP [de entrada de Martins nos EUA]”, o qual continua sob investigação.
Num editorial em 27 de julho, o jornal americano The Wall Street Journal defendeu que Martins enfrenta uma “acusação duvidosa” por causa de “registros falsos” no CBP.
Após conversar com a defesa de Martins, a jornalista Mary O’Grady, que também é membro do conselho editorial do WSJ, escreveu em sua coluna no mesmo dia no jornal que o CBP publicou em março de 2024 um registro de entrada dele nos EUA — ou seja, um mês depois de Martins ser preso. Segundo ela, o registro foi removido em junho de 2024 e republicado em julho de 2025. A jornalista cobrou uma investigação para saber quem teria alterado o registro de entrada nos EUA usado para manter um aliado de Bolsonaro na prisão.
A defesa de Martins tem argumentado que dados de celular, recibos de cartão de crédito e a lista de passageiros de um voo comercial que Martins embarcou no Brasil em 31 de dezembro de 2022 comprovam que ele não poderia ter entrado nos EUA na noite anterior.
Em depoimento ao STF em julho, Martins afirmou que teve um passaporte diplomático extraviado em 2021 e foi com esse documento que teria sido registrada uma entrada dele nos EUA.
“Esse passaporte diplomático não existia mais desde 2021, que é justamente o passaporte que ressurge depois, enquanto eu estava preso em abril de 2024 no registro de entrada que, como o senhor sabe, está sendo investigado nos Estados Unidos”, disse.
Martins integra o núcleo 2 da denúncia. Moraes chegou a destituir em 9 de outubro os advogados de defesa de Martins, Ricardo Scheiffer e Jeffrey Chiquini, por atuar com “nítido caráter procrastinatório” ao deixar de apresentar as alegações finais no prazo mesmo após a intimação.
Para o ministro do STF, a atitude da defesa configurou litigância de má-fé e tentativa de retardar o andamento da ação penal. Em 10 de outubro, eles foram restituídos e no dia seguinte apresentaram as alegações finais.
Martins nega que tenha participado da reunião e elaborado a minuta golpista, como Cid afirmou em delação. “Essa afirmação [sobre a minuta] se dá com base apenas na fala do delator”, afirmou. “Me tornei réu por uma minuta fantasma e que não existe”.