Como a criação de porcos ameaça a savana na Colômbia

Porcos na lama

Porcos na lama

As savanas do departamento de Meta, na Orinoquía colombiana, são conhecidas por seus importantes rios: eles abrigam mais de 750 espécies de peixes, biodiversidade protegida pelo povo indígena Sikuani, habitantes ancestrais dessas terras. Às margens dos rios Meta, Muco, Manacacías e Tillavá, crescem longos corredores de árvores.

Santiago, morador indígena cuja identidade real foi preservada por questões de segurança, lembra como o rio Muco, no município de Puerto Gaitán, já foi repleto de vida: “Costumávamos pescar peixe-cachorro [Hydrolycus scomberoides], tucunaré [Cichla ocellaris], bocachico [Prochilodus magdalenae] e traíra [Hoplias malabaricus]. Hoje, não há mais peixes”. Santiago culpa o grupo empresarial Aliar pela degradação.

Aliar é a única empresa na região da Orinoquía que cultiva soja e milho para a ração de suínos. Ela iniciou suas operações em Puerto Gaitán, em 2007. Pouco mais de uma década depois, transformou 40 mil hectares de terra em um polo agroindustrial que hoje alimenta 880 mil porcos e produz cem milhões de quilos de carne ao ano.

Segundo Santiago, “o esterco danificou todas as moricheras [áreas úmidas] e riachos” onde sua comunidade pescava antigamente.

Rio contaminado com fezes

“Havia lagoas lindas, e elas ainda estão lá, mas ninguém mais toma banho nelas, porque a água está turva. A água não corre mais”, contou Santiago.

Desde que a Aliar chegou à região, afirmou Santiago, a poluição fluvial colocou em xeque a subsistência e o modo de vida do povo Sikuani — fortemente dependentes da pesca e dos corpos d’água.

Em 20 de agosto, foi coletada uma amostra das águas em que Santiago costumava comer e beber. A análise foi conduzida pelo laboratório Tecnoambiental, credenciado pelo Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais da Colômbia. O laboratório testou a presença de bactérias fecais, resíduos na água e perda de oxigênio no rio.

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Os resultados revelaram uma contaminação grave. As normas colombianas estabelecem que 200 microrganismos por cem mililitros é o limite legal de coliformes fecais presentes na água de uso recreativo. A Tecnoambiental identificou 313 mil/100 ml no rio Muco. Isso excede o limite em mais de 1,5 mil vezes e torna essas águas perigosas para irrigação e contato humano.

Análises físico-químicas mostram que as águas estão sendo filtradas. Porém, mesmo com algumas estações de tratamento instaladas, o sistema ainda é insuficiente para lidar com a quantidade de matéria fecal que entra no rio Muco. Segundo o guia do Instituto Nacional de Saúde, os altos níveis de coliformes totais (indicador de contaminação) e a presença da bactéria E. coli (Escherichia coli) na água podem provocar surtos gastrointestinais e dermatológicos entre crianças e outros grupos vulneráveis.

Procurada pela reportagem, a Aliar não se manifestou sobre sua gestão de águas residuais e estações de tratamento na área.

Moricheras ou esgoto a céu aberto?

Santiago, que mora na reserva indígena Wacoyo, não é apenas vizinho da Aliar, mas também ex-funcionário da empresa. Ele afirma que o grupo empresarial não faz tratamento de água na zona.

“A água usada pelos trabalhadores corre para um cano e entra em uma fossa”, afirmou ele. “De lá, eles a retiram com uma bomba e descartam em uma área montanhosa”.

Raúl, outro ex-funcionário da Aliar que também pediu para não ter sua identidade revelada, disse que não viu nenhum tipo de tratamento de água nas instalações da empresa. “No local onde eles mantêm os porcos, há um grande espaço onde jogam merda e mijo. Depois que isso é lavado, a água suja é despejada perto de uma morichera [área úmida]”.

A descrição de Raúl sobre a situação coincide com a análise de contaminação da água e o mau cheiro relatado por moradores da região.

A esposa de Santiago disse que não coleta mais água do rio Muco, mas sim água da chuva. Quando não chove, ela compra água. “Temos dores de cabeça constantes, resfriados”, acrescentou. “Às vezes, nem é um resfriado, mas uma crise de espirros, algo que não produz muco”, afirmou ela. “Acreditamos que seja por causa daquele cheiro horrível”.

Além da comunidade Wacoyo, há outros afetados na área. Barrulia, a 29 quilômetros dali, era uma comunidade Sikuani deslocada pela grilagem de terras de cristãos menonitas: seus moradores também sofreram com vômitos, erupções cutâneas e diarreia, sintomas associados à poluição da água por obra da atividade agrícola.

O morador Erminsu Gaitán contou sua história ao site jornalístico El Turbión. Ele disse que seu neto, Axel Gaitán Chipiaje, morreu em maio de 2024, ainda criança. A Aliar tinha fazendas de suínos nas redondezas, e Erminsu atribuiu a morte à poluição. Após o deslocamento forçado da comunidade, os habitantes de Barrulia agora vivem em uma quadra esportiva no centro urbano de Puerto Gaitán.

Fizeram um buraco no chão onde jogaram porcos mortos. E não deixam ambientalistas ou funcionários do governo verificarem a situação

Raúl

ex-funcionário da Aliar

O Dialogue Earth conversou com outro familiar que usou o nome Miguel para proteger sua identidade. Miguel culpou a Aliar pela morte da criança: “Onde estávamos em Barrulia, mais a leste, há cerca de 20 galpões de porcos e isso gera muitas fezes”. Não há laudos médicos públicos confirmando a causa da morte de Axel Gaitán Chipiaje.

Raúl, porém, contou que ficou mais chocado com o manejo dos leitões mortos do que com a poluição fecal: “Eles fizeram um buraco onde jogavam os porcos mortos. Fica perto de uma morichera. De 30 a 50 porcos morrem lá todos os dias. E eles não deixam ambientalistas ou funcionários do governo verificarem a situação”.

Ele acrescentou que não são apenas os porcos pequenos que sofrem: “Os maiores vivem em condições de superlotação e maltratam uns aos outros com mordidas. Quando não têm comida, eles se matam. É por isso que adoecem e morrem”.

Na indústria suinocultura, é comum que 10% a 20% dos recém-nascidos morram precocemente e que muitos destinados à engorda morram de doenças respiratórias. Porém, despejar cadáveres sem manejo adequado ou tratamento de fezes vai além do abuso animal — constitui um crime ambiental.

O Ministério do Meio Ambiente da Colômbia disse ao Dialogue Earth que a responsabilidade pelo monitoramento, controle e sanção desse tipo de caso é da autoridade ambiental regional. Em Meta, esse órgão é a Corporação para o Desenvolvimento Sustentável da Área de Manejo Especial La Macarena, que não respondeu aos pedidos da reportagem. Em seu portal, não há registros de atividades de controle ou monitoramento em corpos d’água adjacentes às terras da Aliar.

Vida na savana desaparece

Em 2025, a revista Forbes atribuiu à Aliar a transformação do departamento de Meta em uma potência agropecuária: “Puerto Gaitán, o epicentro dessa revolução, é responsável pela maior produção de milho e soja do país. Somente em 2024, seu altiplano produziu 87% da soja e 47% do milho amarelo modificado da Colômbia”.

De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, esse crescimento está ligado a crimes ambientais e ao deslocamento forçado do povo Sikuani. Nos genocídios de 1930 a 1970, colonos “mataram, esquartejaram e envenenaram os indígenas”. Milhares de hectares de territórios Sikuani foram tomados à força em 1978 pelo comandante paramilitar Víctor Carranza, e sua esposa, María Blanca Carranza, vendeu 16 mil hectares dessas terras para a Aliar.

Em agosto de 2023, a empresa alegou ter 50 mil hectares de terras. São áreas onde os indígenas Sikuani não vivem mais e a presença de tamanduás, gambás, raposas e patos parece estar se tornando cada vez mais rara.

“Desde que a Aliar e os menonitas apareceram, os animais sumiram”, disse Camilo, nome fictício de outro morador de uma das poucas reservas Sikuani remanescentes, a Ibitsulibo. Camilo destacou a ausência de aves migratórias que deveriam ter cruzado o céu em setembro, como o maçarico-de-asa-branca (Tringa semipalmata) e a tesourinha-do-campo (Tyrannus savana).

O desaparecimento de aves e mamíferos em Puerto Gaitán está associado à destruição da savana. O bioma nativo deu lugar à monocultura mecanizada, que arrasa áreas de vegetação natural, incluindo as moricheras. De acordo com o Instituto Humboldt da Colômbia, dedicado ao estudo da biodiversidade, 491 espécies da fauna e da flora da região da Orinoquía estão ameaçadas, representando 23% das espécies ameaçadas em todo o país.

A destruição das moricheras e savanas não afeta apenas a fauna e a flora, ela também agrava o aquecimento global.

Nas planícies da Orinoquía, as extensas áreas úmidas favorecem a formação de turfas — um tipo de vegetação capaz de influenciar de forma decisiva os esforços globais contra as mudanças climáticas. “Elas têm um enorme potencial para ajudar ou atrapalhar esses esforços”, afirma Scott Winton, professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Em abril, uma pesquisa de Winton concluiu que a densidade média de carbono por área nas turfeiras colombianas é de quatro a dez vezes maior do que na floresta amazônica.

Winton e sua equipe encontraram turfa em 51 das mais de cem áreas úmidas que visitaram na Orinoquía e na Amazônia colombiana. Considerando que os empreendimentos da Aliar destruíram moricheras e savanas na região, as descobertas de Winton sugerem que as atividades da empresa podem ter contribuído para a emissão do carbono presente nas turfeiras.

A expansão da Aliar não só transformou as savanas em monoculturas de soja e milho, mas perturbou o equilíbrio ancestral entre os Sikuani e seu território. Onde antes havia savanas e moricheras com aves nativas, hoje há porcos maltratados, águas poluídas, cheiro de esterco e comunidades doentes.

Esta reportagem faz parte de uma série que documenta como a violência, a grilagem de terras e o ecocídio ameaçam a sobrevivência física e cultural do povo Sikuani. O texto foi produzido pela equipe de El Turbión, com o apoio da Global Exchange e do Fundo de Reportagem sobre Animais e Biodiversidade da Brighter Green.