Por que a perda de patentes militares pode opor STF e STM

Militares prestam continência a Bolsonaro

Militares prestam continência a Bolsonaro

Se condenados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento que começou nesta terça-feira (2), Jair Bolsonaro e outros cinco militares envolvidos no núcleo crucial da trama do golpe devem perder suas patentes. Mas a competência para aplicar a punição – que normalmente fica a cargo do STM (Superior Tribunal Militar) – ainda não foi definida.

Ministros do STF acenam para determinar a perda de patentes do ex-presidente e aliados ainda na Justiça comum, como pena acessória, seguindo outro entendimento sobre o tema. Já a corte militar deve insistir na atribuição própria para aplicar as sanções. A decisão final sobre a competência deve ser fixada pelo Supremo após o fim do julgamento.

Além de oficiais do núcleo crucial, o procedimento deve atingir militares envolvidos nos outros três núcleos da trama golpista.

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militares são acusados de envolvimento em plano de golpe de Estado em 2022

Neste texto, o Nexo mostra quais militares estão envolvidos na trama golpista, como deve correr o procedimento para excluir oficiais das Forças Armadas e qual o entendimento de cada esfera sobre a competência para aplicar a sanção.

Quem são os réus

O Supremo iniciou o julgamento da tentativa de golpe de Estado de 2022 pelo chamado núcleo crucial da trama. A exemplo do que vai ocorrer com esse primeiro núcleo, até o fim de 2025 os ministros devem julgar os réus dos outros três núcleos: gerencial (2), operacional (3) e desinformação (4). O Supremo manteve o fatiamento feito pela Procuradoria, organizado para, segundo Paulo Gonet, “otimizar o andamento processual”.

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Somados, 22 militares são réus na trama golpista e podem perder a patente em caso de condenação pelo STF. Outros dois oficiais chegaram a ser apontados como integrantes do núcleo operacional, mas foram absolvidos pelo Supremo em maio de 2025.

O ex-presidente Jair Bolsonaro é o principal nome do núcleo crucial, acusado pelos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado com uso de violência e grave ameaça e deterioração do patrimônio público.

Os militares envolvidos

NÚCLEO 1

NÚCLEO 2

NÚCLEO 3

NÚCLEO 4

Qual o procedimento comum

As regras para a cassação de patentes de militares aparecem no Regimento Interno do STM (artigo 115), no Estatuto dos Militares (artigo 118), no Código Penal Militar (artigo 99) e na Constituição de 1988 (artigo 142, inciso 5). 

De acordo com os textos, o oficial das Forças Armadas que receber condenação de pena privativa de liberdade maior que dois anos, seja na Justiça militar ou comum, deve passar por novo processo para avaliar sua permanência de patente – conhecido como Representação para Declaração de Indignidade/Incompatibilidade para o Oficialato. Ou seja, a perda não é automática.

A representação só pode ser feita após o trânsito em julgado da ação que condenou o oficial. Isto é: quando não couber mais nenhum recurso no processo. Com isso, o procurador-geral apresenta a denúncia ao tribunal militar. 

A corte não rediscute o mérito das acusações contra os réus analisadas na ação originária, mas avalia se a condenação fere a moral, a ética e o cumprimento de dever militar dos oficiais.

Prédio do Superior Tribunal Militar em Brasília (DF)

Prédio do Superior Tribunal Militar em Brasília (DF)

Mesmo oficiais da reserva ou reformados podem ser alcançados pela perda da patente. Reserva é uma condição temporária dos militares recém-saídos da ativa, que, mesmo afastados, continuam à disposição das Forças Armadas. Já os reformados são os afastados há mais tempo, por idade ou outras limitações que não os permitam voltar a atuar em caso de necessidade – como é o caso de Bolsonaro. 

No tribunal militar, o oficial pode apresentar defesa em até dez dias ou ter um defensor público nomeado. O processo não tem prazo para correr e a prioridade da pauta é definida pela presidência da corte. Após confirmada a perda de posto (grau hierárquico) e patente militar, o denunciado pode apresentar recurso extraordinário contra a sentença militar no STF.

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militares das Forças Armadas já perderam a patente desde 2018, segundo dados fornecidos pelo Ministério Público Militar à Agência Brasil em setembro de 2025

O oficial excluído das Forças Armadas perde o direito à remuneração e qualquer tipo de indenização. Em tese, familiares têm direito à pensão militar, já que a situação é equiparada à “morte fictícia” ou “ficta” – quando o militar deixa o posto e a patente mesmo não tendo falecido. 

No entanto, em agosto de 2025 o TCU (Tribunal de Contas da União) extinguiu o benefício e vem pressionando os ministérios da Previdência e Casa Civil para rever as regras de pagamento de pensão sem morte concreta de oficiais. Segundo o órgão, a prática desequilibra as contas públicas e vai contra a moral administrativa. 

A competência da corte militar

No caso do núcleo crucial, que começou a ser julgado nesta terça (2) pela Primeira Turma do Supremo (formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux), a expectativa é que a competência para posterior perda de postos e patentes dos militares envolvidos seja atribuída à corte militar – mesmo que a condenação venha do STF, justiça comum.

Desde abril, a presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha, sinaliza isso. Em entrevista à revista Veja, a ministra confirmou a possibilidade. “Nesse caso da trama golpista, muito provavelmente os militares serão julgados no STM. Quando as penas são superiores a dois anos, cabe representação de indignidade e de incompatibilidade para com o oficialato. Por isso, provavelmente serão julgados também neste tribunal”, disse à época.

A presidente do STM empossada em março de 2025, Maria Elizabeth Rocha

A presidente do STM empossada em março de 2025, Maria Elizabeth Rocha

Na quinta (28), em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o procurador-geral da Justiça Militar, Clauro de Bortolli, reafirmou a competência da corte militar para decretar a perda de posto e das patentes de possíveis condenados, “sob pena de supressão de instância” – quando um tribunal superior resolve questões sem que tenham passado por instância inferior antes.

Bortolli já acenou que deve apresentar o pedido de cassação das patentes ao STM assim que encerrado o julgamento no Supremo dos militares envolvidos no núcleo crucial da trama golpista. Em relação a possíveis crimes militares, segundo o procurador, a competência para julgá-los só caberia se o Supremo declinasse.

Um dia antes da entrevista, a coluna de Carolina Brígido no jornal O Estado de S. Paulo mostrou que um possível avanço do Supremo sobre a cassação das patentes pode causar indignação no colegiado militar. Isso porque o STF pode aplicar outro entendimento sobre o tema.

Na sexta (29), durante evento em São Paulo, Rocha voltou a mencionar a competência do STM. Segundo ela, a exclusão de oficiais deve seguir o de praxe: correr pela Justiça militar. 

Ao jornal Folha de S.Paulo, no sábado (30), o STM disse que o Supremo não pode substituir o julgamento militar. “O sistema de integração do Judiciário garante que o STF condene penalmente, mas a consequência estatutária para a carreira militar depende do STM”, afirmou em nota.

Qual pode ser o entendimento do Supremo

Segundo o balanço mais recente do Supremo Tribunal Federal, 1.190 pessoas foram responsabilizadas até o dia 12 de agosto de 2025 pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Dessas, 638 foram julgadas e condenadas, e outras 552 admitiram a prática de crimes menos graves e firmaram um acordo de não persecução penal com o Ministério Público Federal. 

Multidão sobe a rampa de acesso ao palácio

Multidão sobe a rampa de acesso ao palácio em 8 de janeiro de 2023

Até então, a corte militar seguiu o rito comum para exclusão de militares envolvidos nos atos. Em dezembro de 2024, o STF determinou a execução da pena de 14 anos de prisão ao suboficial da reserva Marco Antônio Braga Caldas. O militar da reserva foi condenado pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Em junho de 2025, Caldas foi expulso após processo disciplinar da Marinha

Para praças (cargos mais baixos, como sargentos e subtenentes), o Supremo já havia decidido que não há necessidade para abertura de processo específico para exclusão de patente. Isso porque, de acordo com o artigo 102 do Código Penal Militar, a condenação de praça à prisão por tempo maior que dois anos já resulta em banimento automático das Forças Armadas.

Já no caso do julgamento dos núcleos de articulação da tentativa de golpe de Estado, com militares de alta patente envolvidos, o entendimento sobre a competência para exclusão de oficiais pode ser outro. 

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo no sábado (30), ministros podem apostar na exclusão de militares como uma pena acessória à possível condenação do núcleo crucial. A previsão consta no artigo 92 do Código Penal e resulta em perda de cargo público se houver condenação de pena de prisão maior que quatro anos.

No caso de Bolsonaro, considerando as penas máximas de cada crime no qual o ex-presidente está implicado e os agravantes citados na denúncia da Procuradoria-Geral da República, a pena pode chegar a 43 anos de prisão. A pena mínima prevista é de 12 anos.

Jair Bolsonaro e os advogados Paulo Cunha Bueno (à esq.), e Celso Vilardi (à dir)

Jair Bolsonaro e os advogados Paulo Cunha Bueno (à esq.), e Celso Vilardi (à dir)

Outro entendimento para que o STF puxe para si a competência vem de 2023, quando os ministros decidiram que o Supremo era o foro competente para investigar e julgar os envolvidos na trama golpista (o que impediu o STM de processar e julgar oficiais envolvidos por possíveis crimes militares). Com isso, há ainda a teoria de que a Primeira Turma use essa interpretação em relação à condenação.

As sessões de julgamento sobre a tentativa de golpe em 2022 terminam em 12 de setembro, quando os ministros devem decidir se os réus do primeiro núcleo da trama do golpe são culpados ou inocentes. Se forem culpados, além de fixar as penas individuais, o colegiado deve definir qual o foro para aplicação de outras sanções.