Não há melhor clichê para a menopausa do que compará-la à adolescência. Sentir a primeira onda de calor é mesmo como menstruar pela primeira vez.
Por mais que a mãe explique, a professora ensine e as amigas compartilhem “que ficaram de xico” (alguém ainda fala isso?), ninguém está 100% pronta para a primeira menstruação.
Claro, há sinais. Peitos crescem. Pelos aparecem. O quadril se expande, aparecem estrias e a #ppk toda vibra, mas aquela dor que você nunca sentiu – e que depois descobre se tratar de uma cólica – te pega desprevenida.
Aos 11 anos, pensei que fosse dor de barriga. Era feriado prolongado, estava brincando de queimada na rua da casa da minha avó, quando começou o incômodo. Dona Célia me deu uma xícara cheia de chá de folhas de goiaba – santo remédio para piriri –, mas nada de passar. “Deita de bruços”, mandou minha vó. Horas depois, sangue. Virei a atração de primos, tias, tios. Todo mundo vibrando: “Ficou mocinha!”. Dá para entender por que Carrie, a estranha, mata a mãe após essa experiência (esse filme aterrorizou minha pré-adolescência).
Desde então, são anos aprendendo a detectar e lidar com manifestações hormonais de todos os tipos. Quando acreditei saber tudo sobre meu corpo, chegou a menopausa.
Não há melhor clichê para a menopausa do que compará-la à adolescência. Sentir a primeira onda de calor é mesmo como menstruar pela primeira vez
Como sempre, há sinais. Em 2022, durante uma entrevista com Viola Davis, ela teve um apagão no meio de uma resposta: “O que estava falando mesmo? Desculpe, é a menopausa”, disse uma das atrizes mais bem pagas de Hollywood. Todas estão sujeitas.
São as névoas mentais (brain fog). No primeiro indício, adotei três agendas, de papel e eletrônica, onde anoto tudo. Revejo cada uma delas à noite e na manhã seguinte, para nada se perder.
Um ano após Viola, a escritora Ana Maria Gonçalves sacou da bolsa um leque para se abanar num evento literário. “Menopausa”, disse a imortal. Desde então, coleciono esses adereços, que estranhamente começaram a fazer parte de press kits nos eventos que frequento. O universo conspira.
Os algoritmos detectaram a queda dos meus hormônios antes de mim, multiplicando no feed a quantidade de influenciadoras que tratam de causas e soluções para a menopausa.
Até eu entrei na onda, quando uma amiga empreendedora me convidou para participar da campanha de sua marca de suplementos para peri/menopausa – Re.age, da Silvia Ruiz (são ótimos). Comecei a ver vantagens.
Mas o que me impressionou mesmo foi a quantidade de livros publicados neste período. Ao meu lado, enquanto escrevo, há uma pilha com oito volumes que tratam do tema. De trabalhos científicos a romance e crônica. Todos de autoras mulheres.
Com tudo isso, numa noite fria, esparramada no sofá sob cobertores, achei que estava viajando ao sentir uma labareda subir pelo pescoço, vinda sei lá de que parte do meu corpo. Quando os óculos embaçaram, percebi que a coisa era séria. O primeiro fogacho entrou pra conta dos momentos “mais marcantes da vida”.
Na capa de “Vou te contar – Tudo o que queria que tivessem me falado sobre a menopausa” (BestSeller), a atriz Naomi Watts – aquela do King Kong – segura um megafone, que cospe chamas. Não à toa, é sobre as ondas de calor o primeiro capítulo de seu livro.
“Uma vez, eu estava em um avião. Parecia que eu estava sufocando. O calor foi avassalador, porém a sensação foi menos como estar em um clima quente e mais como estar morrendo de vergonha”, escreve Naomi. Seus sintomas começaram aos 42 anos e incluíram infecções urinárias (que nenhum médico conseguiu curar); reação a antibióticos (tomados para conter a mesma infecção); acúmulo de gordura abdominal, entre outros.
Antes de receber o diagnóstico de menopausa, Naomi viveu outras enfermidades e desconfortos comuns a muitas mulheres, como ressecamento vaginal, falta de libido, alterações de humor e insônia. Ela também descreve os prós e contras de tratamentos como a reposição hormonal, o resultado de mudanças na alimentação e a prática de atividade física etc.
Fórmula semelhante pauta a jornalista estadunidense Jancee Dunn, em “O que ninguém conta sobre a menopausa – Um guia para entender e abraçar essa fase da vida” (Fontanar), e a especialista em saúde holística brasileira Isabela Fortes, autora do recém-lançado “Perimenoquê? Uma conversa sobre os hormônios a partir dos 40” (Intrínseca).
Assim como Naomi, Jancee parte da própria perimenopausa, aos 45 anos, e transforma sua jornada numa grande reportagem. Os capítulos trazem conversas com mulheres mais velhas, médicas, cientistas e outras. Tudo bem explicado numa escrita fluida.
Isabela também é didática em seu périplo para destrinchar o que são a peri e a pós-menopausa, em divisões com perguntas e respostas. As dúvidas vão desde “depois dos 40, é tudo culpa da menopausa?” a “tirei o útero, ainda vou passar por todas essas fases?” e “tudo ‘lá embaixo’ é vagina?”.
Nas três publicações, as autoras apresentam suplementos, fitoterápicos, treinos, sugestões de dietas e terapias. Naomi chega a listar profissionais em diferentes especializações da medicina focadas nessa temática.
Dois dos meus livros preferidos são “A nova menopausa – Viva a fase da mudança hormonal com informação e autonomia” (Intrínseca), da obstetra e ginecologista estadunidense Mary Claire Haver, e “O cérebro e a menopausa – A nova ciência revolucionária que está mudando como entendemos a menopausa” (HarperCollins), da neurologista ítalo-americana Lisa Mosconi.
Autora best-seller do jornal The New York Times, Mary Claire esclarece como essa etapa foi historicamente desprezada pelas escolas de medicina, ao mesmo tempo que destaca a revolução que ocorre hoje, com cientistas e profissionais como ela própria.
“O cérebro e a menopausa” também se volta às origens para, segundo Lisa, mostrar como o tópico permaneceu invisível para a medicina até o século 19. “Mais ou menos na época em que os médicos homens ‘descobriram’ o cérebro das mulheres, eles também se depararam com outro fenômeno desconcertante: a menopausa”, escreve.
Com uma equipe de pesquisadores, a neurocientista é pioneira em analisar o cérebro das mulheres considerando mudanças antes, durante e depois desse estágio. Segundo Lisa, a menopausa afeta a energia e a conectividade cerebral, além da química e da estrutura do cérebro. É uma coisa de louco.
O corpo em chamas não me faz sentir mais escolada em menopausa. Pelo contrário. Mas estou melhor amparada do que a menina de 11 anos. Assunto, por aqui, não vai faltar.