
Imagem dos ativistas Greta Thunberg e Thiago Ávila detidos
A Marinha de Israel interceptou na quarta-feira (1º) a flotilha internacional de ativistas com ajuda humanitária para a Faixa de Gaza no Mar Mediterrâneo. O governo de Benjamin Netanyahu afirmou que todos os integrantes “estão seguros” e serão deportados para a Europa.
A flotilha era formada por 42 embarcações com cerca de 500 ativistas de mais de 40 países — entre eles, a ativista sueca Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila.
Neste texto, o Nexo fala sobre a flotilha, a ação israelense e o papel que ativistas tentam executar diante do cerco à Faixa de Gaza.
A Flotilha Global Sumud — que, em árabe, significa resiliência — é uma iniciativa internacional conjunta de organizações da sociedade civil, como a Coalizão da Flotilha da Liberdade, o Movimento Global por Gaza, a Flotilha Magreb Sumud e a Sumud Nusantara.
O objetivo da iniciativa, segundo os organizadores, era romper com o cerco israelense à Faixa de Gaza por mar, abrir um corredor humanitário e entregar suprimentos — como comida, água potável e medicamentos — aos palestinos que vivem no enclave.
A flotilha zarpou em 31 de outubro de Barcelona, na Espanha, e fez uma escala de dez dias em Túnis, capital da Tunísia, antes de seguir para Gaza. No caminho, embarcações que saíram de Catânia, na Itália, e Siro, da Grécia, se juntaram a ela.

Entre os integrantes da flotilha, estão a deputada portuguesa Mariana Mortágua, a ex-prefeita de Barcelona Ada Colau, a ativista sueca Greta Thunberg e o sul-africano Nkose Mandela, neto de Nelson Mandela.
Ao menos 15 brasileiros integraram a iniciativa — entre eles, a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) e o ativista Thiago Ávila.
Ao longo do percurso, os organizadores relataram dois ataques com drones e denunciaram que dois veleiros foram cercados por navios de guerra israelenses em “manobras de intimidação”.
A Espanha, a Itália e a Grécia mobilizaram navios para possíveis resgates, mas disseram que não se envolveriam militarmente na iniciativa. Eles acompanharam o percurso até certo ponto por questões de segurança. A flotilha decidiu prosseguir no trajeto até o território palestino.
Os organizadores da flotilha relataram nas redes sociais que algumas embarcações foram interceptadas na noite de quarta-feira (1º) a cerca de 130 km da costa de Gaza pela Marinha de Israel. O último veleiro foi capturado na manhã de sexta-feira (3).
Barcos israelenses cercaram as embarcações, abalroando uma delas, e atiraram canhões de água em outras.
O Ministério das Relações Exteriores de Israel afirmou no X que interceptou a flotilha e os passageiros estavam sendo encaminhados em segurança para o porto de Ashdod, no sul do país. A pasta chamou a iniciativa de “Hamas-Sumud” e disse se tratar de uma “provocação”.
“Todos os passageiros estão seguros e com boa saúde. Eles estão a caminho de Israel, de onde serão deportados para a Europa”, disse o ministério em publicação no X na quinta-feira (2). A deportação deve ocorrer até terça-feira (7), enquanto isso ficarão detidos. Não há informações atualizadas sobre os integrantes interceptados.
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Antes da interceptação, os israelenses haviam publicado no X que tinham pedido à flotilha que mudasse o curso sob a justificativa de estarem “se aproximando de uma zona de combate ativo e violando um bloqueio naval ilegal”. Apenas uma embarcação seguia em navegação até a tarde de quinta-feira (2).
A interceptação ocorreu fora do mar territorial israelense, que se estende a cerca de 12 milhas náuticas da costa israelense, o equivalente a cerca de 22 km. O Estado judaico violou o direito de passagem sob o direito do mar e de passagem com ajuda humanitária sob a Convenção de Genebra.
“É livre a navegação como princípio fundamental do direito internacional do mar. Isso é um princípio costumeiro desde a origem do direito do mar e é consagrado nas Nações Unidas. O Estado só pode regulamentar ou criar algum tipo de limitação à embarcação nos limites do seu mar territorial”, afirmou ao Nexo Wagner Menezes, professor de direito internacional da USP (Universidade de São Paulo).
As Forças de Defesa de Israel já haviam bloqueado tentativas semelhantes de ajuda humanitária com flotilhas em junho e em julho. Ativistas — entre eles, Greta e Ávila — foram detidos pelas forças de segurança israelenses e deportados nas ocasiões.
Israel realiza cerco militar e bloqueio econômico à Faixa de Gaza, controlando a entrada e saída de pessoas e de todo tipo de produtos desde 2007. Isso inclui não apenas as fronteiras terrestres do território palestino, mas as marítimas.
Essa situação tem se intensificado intermitentemente desde outubro de 2023, após o ataque do Hamas ao território israelense que deixou 1.200 mortos e fez 251 reféns, dos quais cerca de 50 ainda estão sob o domínio da organização palestina.
Em resposta, Israel tem bombardeado deliberadamente a Faixa de Gaza, matando mais de 66 mil palestinos e destruindo ou danificando 92% das construções no território, além de realizar bloqueios de ajuda humanitária. Milhares de palestinos lidam com desnutrição severa.
Israel também proibiu as equipes especializadas da ONU (Organização das Nações Unidas) de fazerem a distribuição de ajuda humanitária em Gaza, cabendo a ação a uma organização privada americana aliada de Israel chamada Fundação Humanitária de Gaza.
Além disso, organizações humanitárias, como o Médicos Sem Fronteiras e a Cruz Vermelha, têm tido dificuldades de operar no território palestino. Ambas suspenderam as atividades na Cidade de Gaza, limitando a atuação em cidades do norte e do sul do enclave diante da intensificação dos bombardeios.
Trabalhadores humanitários, assim como civis, são protegidos pelo direito internacional dos direitos humanos. Alguns deles, no entanto, foram mortos na ofensiva israelense.
Mais de 100 organizações internacionais de ajuda humanitária, como a Save the Children, a Oxfam e a Médicos Sem Fronteiras, afirmaram em julho que Israel está restringindo as entregas de suprimentos em Gaza, como comida e medicamentos.
Diante das limitações, a flotilha tentou levar itens básicos para os palestinos — ainda que Israel já tivesse informado que as embarcações não teriam permissão para atracar. O ato buscava chamar mais atenção para o que tem ocorrido em Gaza e pressionar os países a cobrarem Israel.
O Itamaraty afirmou na quarta-feira (1º) que o governo brasileiro acompanha com preocupação a intercepção da flotilha. “O governo brasileiro deplora a ação militar do governo de Israel, que viola direitos e põe em risco a integridade física de manifestantes em ação pacífica. No contexto dessa operação militar condenável, passa a ser de responsabilidade de Israel a segurança das pessoas detidas”, disse em nota.
A Alemanha, a Grécia, a Itália, a Irlanda, o Reino Unido e a Tunísia também protestaram contra a ação da Marinha israelense ou demonstraram preocupação. Milhares de pessoas se manifestaram nas ruas de diversas cidades italianas.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, expulsou todos os diplomatas israelenses que restavam em seu país em resposta à interceptação. Ele também disse que a ação foi “um novo crime internacional cometido por [Benjamin] Netanyahu”.
Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, afirmou a jornalistas que a flotilha não é uma ameaça. “O que essa flotilha está fazendo é suplantar algo que Israel está impedindo em Gaza”, disse. Ele acrescentou que os cidadãos espanhóis que estavam na flotilha receberão proteção diplomática.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores da Turquia disse que a ação israelense em águas internacionais contra a flotilha “constitui um ato de terrorismo que viola gravemente o direito internacional e coloca em risco a vida de civis inocentes”.
“Enquanto observo o sequestro ilegal por Israel dos únicos humanos que arriscaram suas vidas para quebrar o bloqueio ilegal de Israel, meus pensamentos estão com o povo de Gaza, preso nos campos de extermínio de Israel”, escreveu Francesa Albanese, relatora especial da ONU para a Palestina, no X.