A biologia das diferenças entre os sexos

Há alguns anos, se espalhou uma lenda de que homens pensam em sexo a cada sete segundos. Se a ideia parece absurda, é porque ela é: isso equivaleria a pensar sobre sexo mais de 12 mil vezes ao dia! Por outro lado, um divertido estudo que quantificou tais pensamentos em jovens (entre 18 e 25 anos) verificou que, em média, homens jovens pensavam (ou diziam pensar) em sexo 19 vezes ao dia, enquanto mulheres o faziam em torno de 10 vezes ao dia. Se não é um número absurdo, certamente também não é desprezível. 

A verdade é que sexo é muito importante não somente para nós humanos, mas para toda a vida complexa na Terra. Se olharmos para os grupos de organismos eucarióticos (aqueles que, como nós humanos, têm células organizadas em compartimentos como núcleos, mitocôndrias e outras organelas), todos praticam reprodução sexuada. Isso indica que todos nós, animais, plantas e fungos, descendemos de um ancestral comum que já praticava esse tipo de reprodução, provavelmente quase 2 bilhões de anos atrás. Até então, na evolução da vida, os organismos simples presentes na Terra (parentes das bactérias de hoje, por exemplo) se multiplicavam simplesmente dividindo-se em dois, um modo rápido e eficiente de se reproduzir, que é o que as bactérias fazem até hoje. 

Como então surgiu e se difundiu tanto a reprodução sexuada, que envolve misturar material genético de duas células? Esse tipo de reprodução requer, primeiro, a produção dos gametas, células reprodutivas especializadas obtidas por meiose, que por sua vez é um tipo especial de divisão celular que reduz o número de cromossomos à metade. Quando dois gametas se encontram, o número de cromossomos original se restabelece, criando a primeira célula de um indivíduo geneticamente único por reprodução sexuada. 

Reconhecer diferenças biológicas inatas e como elas surgem ajuda a elaborar melhores estratégias educacionais e de políticas públicas

Apesar de ser muito mais “custoso” em termos de energia dispendida, o processo tem suas vantagens. Uma é que ele envolve indivíduos com duas cópias de genes. Isso permite que, se uma das cópias tiver uma mutação, uma outra cópia seja capaz não somente de compensá-la (pelo menos parcialmente), como também de servir de modelo para reparar a informação genética danificada. Outra vantagem é que, ao misturar informações genéticas, criam-se indivíduos diferentes dos progenitores, maximizando a diversidade e aumentando a chance de um indivíduo sobreviver a ambientes hostis ou em mudança. 

De fato, há exemplos na natureza que sugerem que a reprodução sexuada é uma vantagem para a adaptação, como é o caso das hidras, pequenos animais aquáticos invertebrados (sem coluna espinhal) que se prendem a superfícies e possuem tentáculos para capturar presas. Esses animais são capazes de se reproduzir de forma sexuada ou assexuada, por brotamento, gerando “filhos” idênticos ao progenitor único. Quando em condições estáveis, reproduzem-se assexuadamente, garantindo continuidade e um mecanismo de reprodução econômico. Mas quando o seu ambiente apresenta mudanças, as hidras recorrem ao sexo, gerando diversidade e possibilitando adaptação. 

A forma de sexuação é bastante variada evolutivamente, como seria de se esperar, considerando que é algo que surgiu há bilhões de anos. Vários animais invertebrados, como esponjas e vermes chatos, são hermafroditas. Isto é, são capazes de gerar oócitos e espermatozoides dentro do mesmo indivíduo, possibilitando a autofecundação ou fecundação cruzada, em que qualquer um dos parceiros pode atuar como macho ou fêmea. Em plantas com flores, grãos de pólen e óvulos são os gametas. Já nos humanos, os gametas são os óvulos e os espermatozoides, gerados pelos sexos biológicos feminino e masculino, respectivamente. 

Sabidamente, as diferenças sexuais humanas na sociedade atual se tornaram fonte de debates, ideologias e disputas culturais. Por mais importantes que eles sejam, quero me ater às diferenças biológicas inatas aqui, pois elas existem e têm consequências concretas. Reconhecer essas diferenças e entender como surgem nos ajudará a elaborar melhores estratégias educacionais, aprimorar atendimento em saúde e formular políticas públicas mais justas. 

De fato, possuímos diferenças desde que nos desenvolvemos dentro do útero, sofrendo ações de diferentes sinais hormonais e levando às distinções anatômicas que já percebemos ao nascer. Mais tarde, e principalmente a partir da adolescência, os efeitos de hormônios em diferentes quantidades mudam nossos corpos. Homens tendem a ser mais altos e ter maior massa muscular. Por outro lado, mulheres vivem, em média, mais que homens (uma característica não somente humana, mas da maioria dos animais vertebrados fêmeas). 

Não é só na fisiologia que somos diferentes, mas também na doença: mulheres têm mais obesidade e desenvolvem mais doenças autoimunes, enquanto homens têm maior mortalidade cardiovascular precoce e são mais frequentes vítimas de acidentes e violência. Como cientistas, entendemos muitos dos motivos para essas diferenças, mas muitos outros de seus mecanismos, sejam biológicos ou sociais, ainda precisam ser investigados.

Há enormes variações entre indivíduos de cada sexo biológico, mas reconhecer diferenças gerais entre estes nos ajuda a respeitar melhor cada ser humano e lhe dar as melhores e mais diversas oportunidades possíveis. Se a evolução “inventou” a reprodução sexuada para lidar com ambientes de forma mais dinâmica e responder melhor ao imprevisível, a ciência que estuda as diferenças biológicas é o que nos dará sustento para reconhecer estas diferenças e seus mecanismos, apontando caminhos para que sejam abordadas de forma respeitosa a todos na sociedade.

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