Como Derrite virou pivô na disputa sobre segurança pública

O deputado Guilherme Derrite (PP-SP)

O papel da Polícia Federal em investigações contra organizações criminosas virou um ponto de tensão no PL Antifacção, que foi enviado pelo governo à Câmara após a operação policial que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro em 28 de outubro. O relator do projeto, Guilherme Derrite (PP-SP), quer condicionar a atuação da corporação nos estados.

Num primeiro momento, Derrite propôs que a Polícia Federal atuasse nessas investigações apenas a pedido de governadores. Depois de se reunir com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o diretor-geral do órgão, Andrei Rodrigues, ele elaborou um texto alternativo na noite de segunda-feira (10).

A nova versão do relatório diz que a Polícia Federal pode agir por iniciativa própria, mas “através de comunicação às autoridades estaduais”. O órgão diz que acompanha com preocupação as mudanças de Derrite e que suas ações no combate ao crime poderão sofrer “restrições significativas”.

“A proposta original, encaminhada pelo Governo do Brasil, tem como objetivo endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no Parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público”

Polícia Federal

em nota publicada nesta segunda-feira (10)

“Após a apresentação do primeiro parecer, recebi diversas sugestões de parlamentares, magistrados, membros do Ministério Público, advogados e agentes de segurança, que conhecem as dificuldades e os problemas reais da segurança pública. Escutei-as atenciosamente, em nome da relevância da pauta, que é suprapartidária, e do processo democrático, que sempre defendi, razão pela qual disso, incorporo ao substitutivo as seguintes alterações”

Guilherme Derrite

deputado federal (PP-SP), em nota enviada ao blog de Andréia Sadi nesta segunda-feira (10)

Pano de fundo

Em 5 de novembro, Derrite se licenciou do seu cargo na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo. Inicialmente, a ideia era que o deputado centrasse esforços em outro projeto de lei: o nº 1.283/2025, que quer mudar a Lei Antiterrorismo para classificar como terroristas as atividades de organizações criminosas como facções e milícias. A bandeira foi encampada pela direita após a aprovação popular ao massacre nos Complexos da Penha e do Alemão, que teve como pretexto o combate ao Comando Vermelho.

Dois dias depois, no entanto, ele foi escolhido por Hugo Motta para relatar o PL Antifacção, aposta do governo para endurecer as penas de integrantes de facções e aumentar os poderes de investigação do Ministério Público e das polícias. A escolha de Derrite rendeu críticas da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente da Câmara.

“Ele [Motta] indicou o secretário de segurança de um governador que é declaradamente oposição ao presidente, que pretende disputar a eleição, e já com uma visão política muito determinada sobre o tema”

Gleisi Hofmann

ministra das Relações Institucionais, em entrevista à GloboNews nesta segunda-feira (10)

Tal como está, o texto substitutivo do PL Antifacção apresentado por Derrite também pode abrir brechas para equiparar facções criminosas a organizações terroristas.

Os defensores da equiparação alegam que a Lei das Organizações Criminosas é insuficiente para lidar com facções como o Comando Vermelho, que controlam territórios por meio de violência armada, intimidação coletiva e sabotagem de serviços públicos. A Lei Antiterrorismo, segundo essa argumentação, garantiria a aplicação de penas mais duras e de medidas especiais para restaurar a paz pública.

Professores ouvidos pelo Nexo fizeram ressalvas a essa interpretação.

“Organizações criminosas são empresas criminais. Dizer que o PCC [Primeiro Comando da Capital] é uma organização criminosa não o torna menos perigoso. É o que ele é [organização criminosa], atuando na economia lícita e ilícita”, disse David de Siena, professor de direito penal da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

“Há o risco de utilizar essa categorização de terrorista com uma carga simbólica para deslegitimar determinados grupos e aumentar a capacidade coercitiva do Estado, diminuindo as proteções legais que existem ao cidadão”, afirmou ao Nexo Paulo Pereira, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Drogas e Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Se optar por essa classificação, o Brasil também homogeneizará o entendimento com os Estados Unidos, que têm feito uma campanha militar no Mar do Caribe e na costa sul-americana do Oceano Pacífico contra cartéis do narcotráfico, alegando que está combatendo o terrorismo.

O governo federal é contrário a essa tipificação.

“Nós não identificamos nenhum tipo de benefício em classificar essas facções em organizações terroristas”, disse à Agência Pública Mario Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública. “Muito se vende a hipótese de que, uma vez declaradas terroristas, isso facilitaria a cooperação internacional. Quem fala dessa forma desconhece o histórico de cooperação internacional do Brasil”.

Quem é Guilherme Derrite

Guilherme Derrite é capitão da Polícia Militar e foi membro da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), destacamento conhecido pela alta letalidade em suas operações. Ele é deputado federal desde 2019 e, em 2023, se licenciou do cargo para ocupar a Secretaria de Segurança Pública de Tarcísio de Freitas em São Paulo.

Desde então, os números de violência policial no estado dispararam. O número de mortes causadas por agentes de segurança aumentou 60% de 2023 a 2024. Um dos marcos do seu mandato foi a Operação Escudo, que deixou 28 mortos na Baixada Santista em 2023.

A proposta de Derrite de reduzir a atuação da Polícia Federal nos estados tem como pano de fundo também um desgaste da sua em São Paulo com o órgão, como mostrou o site Metrópoles. A partir da colaboração de Vinícius Gritzbach, delator do PCC (Primeiro Comando da Capital) morto no Aeroporto de Guarulhos em 2024, a PF abriu uma ampla investigação sobre possíveis esquemas de corrupção na Polícia Civil.

Derrite é uma aposta do PP para concorrer a uma vaga de senador ou, eventualmente, governador, caso Tarcísio decida se lançar ao Planalto em 2026.