Cena do filme “Movimento em falso” (1975) de Wim Wenders
O alemão Wim Wenders – diretor de filmes como “Dias perfeitos” (2023) e “Asas do desejo” (1987) – completa 80 anos nesta quinta-feira (14).
Wenders teve sua fama internacional consolidada após o lançamento do longa-metragem “Paris, Texas” (1984), pelo qual recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1984.
Mas foi antes, em especial com o filme “No decurso do tempo” (1976), que o diretor se tornou conhecido em outros países. O longa faz parte de sua trilogia de produções em que os personagens estão em movimento, viajando por estradas e passando por transformações.
Um “road movie” é um subgênero do cinema em que as viagens pela estrada influenciam os acontecimentos da narrativa. A viagem de carro geralmente tem relação com o próprio movimento dos personagens, que passam por transformações ao longo da jornada.
Segundo o livro “A Dictionary of Film Studies” (“Um dicionário para estudos do cinema”), apesar de o gênero ser aproveitado por filmes ao redor do mundo, sua gênese está associada ao cinema americano e ao aumento do uso de carros no país durante a segunda metade do século 20.
Em entrevista à revista Interview em 2015, Wenders disse que há total liberdade para mudar o curso do filme nesse gênero, algo que ele frequentemente não podia fazer.
“Isso te encoraja a ir para a esquerda em vez da direita. Te encoraja a ter ideias melhores do que as que você tinha quando estava escrevendo o roteiro. Eu adorei, e adorei tanto que fiz os próximos cinco ou seis filmes assim”, afirmou o diretor.
Três filmes marcaram o início das experimentações de Wenders com os “road movies”: “Alice nas cidades” (1974), “Movimento em falso” (1975) e “No decurso do tempo” (1976). Todos foram protagonizados pelo ator Rüdiger Vogler.
No primeiro, um jornalista alemão atravessa os Estados Unidos para pesquisar um artigo. Na viagem de volta à Alemanha, ele precisa levar a jovem Alice, deixada aos cuidados do jornalista pela sua mãe.
Em “Movimento em falso” – atualização do romance “Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister”, escrito por Goethe do final do século 18 –, um escritor sem rumo deixa sua cidade natal e acaba fazendo amizade com um grupo de viajantes.
Já no longa que encerra a trilogia, “No decurso do tempo”, um reparador de projetores de filmes salva a vida de um psicólogo deprimido que caiu de Volkswagen em um rio, e os dois acabam viajando juntos de um cinema rural alemão para outro. O filme foi bem recebido internacionalmente.
Cena de “No decurso do tempo” (1976)
O crítico de cinema Richard Brody escreveu à revista americana The New Yorker em 2015 que esses longas, e outros subsequentes, apresentavam temas como a desorientação das viagens, a fusão de culturas e a travessia de fronteiras.
Para Brody, os filmes audaciosos da trilogia também se relacionam com o subsequente “O amigo americano”, de 1977. Este é uma adaptação de um dos livros de Patricia Highsmith que narram as aventuras do criminoso Tom Ripley.
“‘O amigo americano’ captura uma autêntica sensação da falta de um lar, mesmo que você esteja em casa, como se Wenders, uma nova celebridade internacional por ‘No decurso do tempo’, quisesse filmar a sensação de pegar a estrada sob a orientação malévola de tubarões com dinheiro, gastando muito tempo em trens, aviões e hotéis, convivendo com figuras obscuras que poderiam fazer ou destruir sua fortuna”, escreveu o crítico.
“A liberdade que descobri com ‘Alice nas cidades’, meu primeiro ‘road movie’, foi tremenda. Percebi que você podia não saber realmente como o filme terminaria. Você podia inventar. Isso foi tão libertador e tão divertido. Poderíamos continuar filmando. Seria tão divertido que nunca queríamos que acabasse”
Wim Wenders
diretor alemão, em entrevista à revista Interview, em 2015
À Interview, Wenders explicou que outro traço unia esses personagens foi o fato de que “eles eram aventureiros e exploradores, e buscavam algo. A jornada era um estado de espírito para eles”.
Para ele, os “road movies” também são uma maneira de fazer com que o público se sinta imerso nas aventuras dos personagens, já que a própria equipe de filmagem “mergulha na aventura, no desconhecido, e se depara com ele”.
As experimentações na maneira de gravar um “road movie” perpassaram outras produções de Wenders.
Foi o caso de “Paris, Texas”. O longa acompanha o protagonista Travis Henderson, que, saído do deserto do Texas, vai para Los Angeles com seu filho Hunter em busca da mãe dele, Jane Henderson.
A diretora Allison Anders, que foi assistente de Wenders durante o filme de 1984, escreveu para o site da distribuidora de filmes Criterion Collection que o diretor aprendeu com seus “road movies” a fazer longas filmagens em sequência e aproveitar ao máximo as gravações nas locações.
“Filmamos primeiro no Texas, depois pegamos a estrada até Los Angeles, e depois voltamos para o Texas, seguindo a sequência da história – em vez de fazer o que a maioria dos produtores insistiria em fazer: gravar todas as partes do Texas, depois ir para Los Angeles, sem se importar com a ordem.”